terça-feira, 30 de setembro de 2008

Mais coisas inequívocas sobre índios

*CINCO IDÉIAS EQUIVOCADAS SOBRE OS ÍNDIOS ****
José Ribamar Bessa Freire
*Introdução*
Gostaria de iniciar a minha fala informando vocês sobre o lugar deonde estou falando. Sou ex-professor da Universidade do Amazonas, ondetrabalhei de 1977 a 1986, inicialmente no curso de Comunicação Social edepois no curso de História, onde lecionei as disciplinas Etnohistória eHistória do Amazonas. Fui fundador e primeiro editor do *Porantim*, jornaldo CIMI - Conselho Indigenista Missionário, dedicado à causa indígena.Atualmente, sou professor da UERJ - Universidade do Estado do Rio deJaneiro, onde coordeno desde 1992 o Programa de Estudos dos Povos Indígenas.Na palestra de hoje, vou falar um pouquinho sobre o meu trabalho e, depois,penso refletir com vocês sobre cinco idéias equivocadas que muita gente noBrasil ainda tem quando se refere aos índios. É importante discutir essas idéias equivocadas, porque com elas não épossível entender o Brasil atual. Se nós não tivermos um conhecimentocorreto sobre a história indígena, sobre o que aconteceu na relação com osíndios, não poderemos explicar o Brasil contemporâneo. As sociedadesindígenas constituem um indicador extremamente sensível da natureza dasociedade que com elas interage. A sociedade brasileira se desnuda e serevela no relacionamento com os povos indígenas. É ai que o Brasil mostra asua cara. Nesse sentido, tentar compreender as sociedades indígenas não éapenas procurar conhecer "o outro", "o diferente", mas implica conduzir asindagações e reflexões sobre a própria sociedade em que vivemos. No entanto, constatamos que muito pouco foi feito para conhecermos ahistória indígena. A produção de conhecimentos nesta área não condiz com aimportância do tema. As pesquisas são de uma pobreza franciscana. Oresultado disso é a deformação da imagem do índio na escola, nos jornais, natelevisão, enfim na sociedade brasileira. Por que nós não temos históriaindígena? Por que os próprios cursos universitários de História não têm adisciplina história indígena nos seus currículos? Durante muito tempo, aacademia justificou a ausência de pesquisas, alegando que não existemdocumentos escritos relacionados à história indígena. A USP tentou verificarse isso era verdade e, em 1991, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunhaelaborou um projeto de âmbito nacional, dirigido pelo historiador JohnMonteiro. Coordenei este projeto no Rio de Janeiro, trabalhando com umaequipe de 12 pesquisadores. Nós passamos dois anos e meio vasculhando 25grandes arquivos do Rio de Janeiro, procurando manuscritos sobre a históriaindígena. O Rio de Janeiro, como antiga capital, tem arquivos cujos acervos nãose limitam ao local, ao regional, mas cobrem todo o Brasil. O Arquivo *Nacional*, por exemplo, com essa denominação, dá uma idéia de suaabrangência. A Biblioteca também é *Nacional.* O Instituto Geográfico eHistórico é *Brasileiro*, e assim por diante. No Rio estão os arquivos doItamaraty, do Ministério do Exército, da Marinha, arquivos religiosos como odo Mosteiro de São Bento ou o dos Capuchinhos, registrando informaçõessobre os índios em todo o país. Num trabalho paciente, a equipe encontroumilhares de documentos sobre índios. A USP publicou um livro com o resultadogeral da situação dos arquivos nas capitais brasileiras. A UERJ publicououtro livro *Os Índios em Arquivos do Rio de Janeiro,* em dois tomos queestão aqui, em minhas mãos. Estamos doando este exemplar para a bibliotecado CENESCH. Se houver interesse, podemos conversar mais sobre isso na horado debate. É um trabalho que serve de guia para os pesquisadores, porquediz para eles onde estão os documentos. Ele tem sido consultado por muitosestudiosos de universidades americanas, européias e brasileiras, entre osquais alguns professores da Universidade do Amazonas, como Luis Balkar SáPeixoto Pinheiro, que defendeu em São Paulo tese de doutorado sobre acabanagem, um importante movimento de resistência do século XIX e FranciscoJorge dos Santos, cuja tese de mestrado é sobre as guerras e rebeliõesindígenas na Amazônia do século XIX. Quando fizemos essa pesquisa, encontramos documentos sobre índios emtodo o território nacional, desde 1500 até os dias de hoje, mas o que nosinteressava mais de perto era o Rio de Janeiro. Descobrimos que no estado doRio de Janeiro, até o início do século XX, existiam ainda grupos resistindo.No noroeste fluminense, na serra das Frecheiras, em 1830-40, índios Puri,Coroado e Coropó estavam nas mesmas condições que os Yanomami há 40 anos:sem maiores contatos com a sociedade regional. Então, localizamos no mapado Rio de Janeiro, no século passado, 15 aldeias. E aí procuramos saber comoe porquê esses índios foram varridos do mapa, o que afinal tinha acontecidocom eles. Pensamos o seguinte: ora, se ainda no século passado existiam 15aldeias indígenas, então é provável que hoje ainda pudéssemos encontrardocumentos nas cidades onde essas aldeias estavam situadas. Com esta probabilidade, organizamos outro projeto de pesquisa. Formamosuma equipe com alunos da UERJ, percorremos quinze cidades do interior do Riode Janeiro, fuçando pequenos arquivos paroquiais, cartoriais e municipais. Eaí fomos gratificados, porque encontramos uma massa expressiva de documentosnos livros de batismo, de casamento e de óbitos, nos processos judiciais ena documentação cartorial. Exploramos parte desse material, analisamos adocumentação e publicamos este livro aqui - *Os Aldeamentos Indígenas do Riode Janeiro* - que é um livro paradidático, destinado aos alunos das escolasde 1º e 2º graus. Também estamos doando este exemplar para a biblioteca doCENESCH. Nos dois últimos anos, meu trabalho consiste em percorrer osmunicípios do Rio, fazendo oficinas com professores de História, que estãousando este livro na sala de aula. Desta forma, com esse trabalho deformiguinha, pretendemos contribuir para mudar a imagem preconceituosa dosíndios que, de uma forma geral, é veiculada pela escola. Mas é necessárioaprofundar a pesquisa. Por último, estou também deixando para a biblioteca do CENESCH umexemplar dos Cadernos de Museologia, editado pela UERJ, com artigo de umantropólogo americano, James Clifford, sobre os museus tribais no Canadá eoutro artigo que escrevi sobre como os índios descobriram o museu aqui noBrasil. Feita essa apresentação, na palestra de hoje queria destacar cincoidéias relacionadas à questão indígena, que não são corretas, mas quecontinuam presentes na cabeça da maioria dos brasileira. Depois, então,abrimos para o debate. *Primeiro equívoco: o índio genérico* A primeira idéia que a maioria dos brasileiros tem sobre os índios é ade que eles constituem um bloco único, com a mesma cultura, compartilhandoas mesmas crenças, a mesma língua. Ora, essa é uma idéia equivocada, quereduz culturas tão diferenciadas a uma entidade supra-étnica. O Tukano, oDesana, o Munduruku, o Waimiri-Atroari deixa de ser Tukano, Desana,Munduruku e Waimiri-Atroari para se transformar no "índio", isto é no "índiogenérico". Hoje vivem no Brasil mais de 200 etnias, falando 188 línguasdiferentes. Cada povo desse tem sua língua, sua religião, sua arte, suaciência, sua dinâmica histórica própria, que são diferentes de um povo paraoutro. Só para dar uma noção para vocês sobre essa enorme diversidade,quando Frei Gaspar Carvajal desceu o rio Amazonas em 1540, encontrou aquipovos que falavam dezenas de línguas diferentes, tão diferentes entre elascomo o português é do alemão. O padre Acuña, um jesuíta que em 1640acompanhou a expedição de descida de Pedro Teixeira, escreve que só no baixoAmazonas existiam pelo menos 150 povos, falando 150 línguas diferentes. Poressa razão, o padre Antônio Vieira denominou o rio Amazonas de rio Babel.Recentemente, um trabalho feito pelo lingüista tcheco Cestmir Loukotka, em1968, sobre a classificação de línguas, mostrou que na Amazônia brasileira,em 1500, eram faladas mais de 700 línguas diferentes. O grau deintercomunicação entre elas é variável. A diferença que pode haver entre alíngua Macuxi e a Ingaricó, ambas do tronco lingüístico Karib, é comparávelà diferença existente entre o português e o espanhol, ou seja, é possívelestabelecer um nível mínimo de comunicação. No entanto, não é o que ocorre,por exemplo, entre a língua Makuxi (Karib) e a Wapixana (Arauak); entrelínguas de troncos diferentes, as diferenças podem ser comparáveis aexistente entre o alemão e o português. Ninguém se entende. A dimensão dessas diferenças lingüísticas pode ser melhor visualizadacom um fato que foi presenciado e filmado por Anete Amâncio, responsávelpelo Serviço de Documentação da Funai em Manaus. Ela conseguiu organizar umarica videoteca, com filmes sobre diferentes grupos indígenas. Um deles é oresultado de uma filmagem feita numa viagem de Boa Vista, em Roraima, paraSanta Helena, na fronteira com a Venezuela. Ela viu na beira da estrada umaíndia. Parou o carro e se aproximou já com a câmera ligada. A índia estavacom uma criança no colo, cantando uma belíssima canção de ninar. Anetefilmou todo o canto, em uma língua que para nós é incompreensível. Quando aíndia terminou de cantar, Anete pediu-lhe, em português, que traduzisse osignificado das palavras. A índia olhou, olhou, olhou silenciosamente para acâmera e depois falou algumas frases na língua dela. Anete insistiu: "asenhora pode dizer o que significa em português?" Parece que ela achou quea Anete estivesse pedindo que cantasse outra música, porque voltou acantar. Quando terminou, a mesma pergunta foi repetida: - O que significa, em português, a letra da canção? A senhora índia não respondeu. Nisso, chega um senhor, um índio, e seapresenta. Era o marido da índia, com quem convivia há 40 anos. Explicouolhando para a câmera que sua mulher não podia responder porque não falavanem entendia o português, era uma índia Wapixana. A criança no colo dela erasua neta. Então, Anete pediu que ele, que falava português, traduzisse aletra da música: - Não posso, eu não entendo a língua dela, o Wapixana. Eu sou Makuxi. - Então pergunte dela o que significa. - Não adianta, ela não fala makuxi. - Então, como é que vocês, que vivem 40 anos juntos, se comunicam? O Wapixana é uma língua do tronco lingüístico Aruak e o Makuxi de umoutro tronco, o Karib. São duas línguas muito diferentes. Quando vi o filme,fiquei pensando que esse podia ser, ironicamente, o segredo de uma uniãomatrimonial duradoura e estável: falar línguas diferentes para não secomunicar. Mas o índio Makuxi informou que o casal se comunicou durantemuito tempo através da mãe daquela criança que estava no colo, a filha deambos, que falava português, wapixana e makuxi. Fiz um exercício de humor,imaginando que quando o casal brigava, a filha devia traduzir outra coisa,para que os seus pais não se ferissem com palavras duras. Suspeito que deveter havido exagero no relato do índio, porque não é possível que em 40 anosde convivência, não tenham encontrado formas mínimas de se compreender. Dequalquer forma, o relato é uma bela metáfora para a situação brasileira: nósprecisamos funcionar como elo de comunicação, como ponte entre as culturastão diferentes que nos pariram, criando um exemplo vivo de diálogo entreculturas, de interculturalidade. Exagerado ou não, o relato nos dá uma idéiadas diferenças culturais, que devem ser reconhecidas e respeitadas. Seexistem línguas tão diferentes, culturas tão diferentes, não é corretocolocá-las todas no mesmo saco. *O segundo equívoco: culturas atrasadas* A segunda idéia equivocada é considerar as culturas indígenas comoatrasadas e primitivas. Os povos indígenas produziram saberes, ciências,arte refinada, literatura, poesia, música, religião. Suas culturas não sãoatrasadas como durante muito tempo pensaram os colonizadores e como aindapensa muita gente ignorante. As línguas indígenas, por exemplo, foram consideradas pelo colonizador,equivocadamente, como línguas "inferiores", "pobres", "atrasadas". Ora, oslingüistas sustentam que qualquer língua é capaz de expressar qualqueridéia, pensamento, sentimento e que, portanto, não existe uma língua melhorque a outra, nem língua inferior ou mais pobre que outra. As pessoas, noentanto, confundem muitas vezes as línguas com os seus falantes. O queexiste são falantes que, na estrutura social, ocupam posições privilegiadasem relação aos falantes de outras línguas, dando a falsa impressão de quesuas línguas são superiores, quando do ponto de vista estritamentelingüístico, não existe língua rica e língua pobre. As religiões indígenas também foram consideradas pelo catolicismoguerreiro, no passado, como um conjunto de superstições, o que é umaestupidez siderúrgica. Basta entrar em contato com as formas de expressãoreligiosa de qualquer grupo indígena, para verificar que essa visão éetnocêntrica e preconceituosa. Desde 1992, tenho realizado visitas àsaldeia dos índios Guarani Mbyá no Rio de Janeiro. São três aldeias, lá naserra da Bocaina: uma no município de Angra dos Reis e duas em Parati. OsGuarani foram considerados por alguns estudiosos como "os teólogos daAmérica", devido à sua profunda religiosidade, que se manifesta em todomomento, no cotidiano, penetrando nas diversas esferas da vida. As própriasatividades econômicas aparecem muitas vezes como simples pretexto para arealização de cerimônias. A colheita de produtos da roça pode ser motivopara rezas e danças rituais. O ciclo econômico anual é, antes de mais nada,um ciclo de vida religiosa, que acompanha as diversas atividades desubsistência. A religião é, assim, um dos mais importantes fatores deidentidade para os Mbyá. Em qualquer aldeia Guarani, a maior construção é sempre a *Opy *- aCasa de Orações. Não possui janelas, apenas duas portas, uma voltada paraoeste, de frente para o pátio central e a outra para leste, na direção domar. O chão é de terra batida e o teto de folha de pindó. O mobiliário éconstituído por alguns bancos, uma rede e uma fogueira. Nas três aldeias doRio de Janeiro, a reza ou *porahêi* é realizada diariamente, todas asnoites, durante os 365 dias do ano, de forma comunitária, contando com aparticipação de quase toda a aldeia. Começa por volta das 19 horas e vai atéa meia-noite, podendo algumas vezes estender-se até a manhã. O cacique tocambaracá e dirige as rezas, acompanhadas de cantos e danças. Não conheçonenhum grupo dentro da população brasileira que reze mais do que os Guarani. Os Guarani Mbyá mantém fidelidade à religião tradicional, resistindoàs investidas de grupos evangélicos e de outras religiões. O cacique VeráMirim, em depoimento ao antropólogo Aldo Littaif, declarou, apontando para aCasa de Orações: "*aqui é pra nossa reza, é pra se lembrar de Deus. Nósrezamos diretos com nosso Deus, Ñanderú; católico já tem santo. Esse é onome de nosso Deus, Ñanderú".* A importância da religião Guarani pode ser avaliada através daspalavras do vice-cacique, Luis Eusébio, que eu gostaria de ler para vocês.Ele disse: *"Se o Mbyá deixar a religião dele, a língua, vai começar abeber, faz baile, tem briga com parente, casa com branco e desaparece anação, morre o índio". * Segundo a antropóloga francesa Hélène Clastres, a religião Guaranisignifica para os índios a sua própria condição de sobrevivência, num mundosuperpovoado pelos brancos, uma vez que é a religião que ensina comoconviver com os outros, ensina a tolerância, a generosidade, a solidariedadee as estratégias de vida. Quanto mais diminuem as diferenças de hábitosentre índios e brancos, ao nível do cotidiano, maior força tem a religião,que passa a ser um fator decisivo de diferenciação étnica. Considerar essas religiões como "atrasadas" é produto, portanto, deextrema ignorância. As ciências indígenas também foram tratadas de forma preconceituosapela sociedade brasileira. Os conhecimentos indígenas foram desprezados eridicularizados, como se fossem a negação da ciência e da objetividade. Paracombater esse equívoco, o Museu Goeldi, em 1992, realizou uma exposiçãosobre a ciência dos Kayapó, mostrando a importância dos saberes indígenaspara a humanidade. Esta exposição documentou o conhecimento sofisticado queos Kayapó produziram acerca de plantas medicinais, agricultura,classificação e uso do solo, sistema de reciclagem de nutrientes, métodos dereflorestamento, pesticidas e fertilizantes naturais, comportamento animal,melhoramento genético de plantas cultivadas e semi-domesticadas, manejo dapesca e da vida selvagem e astronomia. Um dos organizadores da exposição, oantropólogo Darell Posey, explicou que existem índios especialistas emsolos, plantas, animais, colheitas, remédios e rituais. Mas talespecialização não impede, no entanto, que qualquer Kayapó, seja homem oumulher, tenha absoluta convicção de que detém os conhecimentos e ashabilidades necessárias para sobreviver sozinho na floresta,indefinidamente, o que lhe dá uma grande segurança. Vou pedir permissão avocês para ler a mensagem principal dessa Exposição, resumida na seguintefrase de Posey: "*Se o conhecimento do índio for levado a sério pela ciência moderna eincorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os índios serãovalorizados pelo que são: povos engenhosos, inteligentes e práticos, quesobreviveram com sucesso por milhares de anos na Amazônia. Essa posição criauma "ponte ideológica" entre culturas, que poderia permitir a participaçãodos povos indígenas, com o respeito e a estima que merecem, na construção deum Brasil moderno".* Muitos grupos indígenas realizaram experimentação genética complantas, diversificando e enriquecendo as espécies. Só aqui na região do rioUaupés, uma pesquisadora americana, Janette Chernella, em 1986 identificou137 cultivares diferentes de mandioca entre os índios Tukano. * *Esses conhecimentos, no entanto, não foram apropriados pela atualsociedade brasileira, por causa da nossa ignorância, do nosso despreparo edo nosso desprezo em relação aos saberes indígenas, os quais desconhecemos.O preconceito não nos tem permitido usufruir desse legado cultural acumuladodurante milênios. Um especialista em biologia, citado pelo antropólogofrancês Lévi-Strauss, no seu livro "*O Pensamento Selvagem"* chama a atençãopara o fato de que muitos erros e confusões poderiam ter sido evitados, se ocolonizador tivesse confiado nas taxonomias indígenas, em lugar deimprovisar outras não tão adequadas. Um desses erros foi percebido no início de 1985, durante o sérioacidente sofrido pela usina nuclear de Angra dos Reis, construída num lugarque os índios Tupinambá haviam denominado de Itaorna e que até hoje éconhecido por este nome. Nesta área, na década de 1970, a ditadura militarcomeçou a construir a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto. Osengenheiros responsáveis pela sua construção não sabiam que o nome dado peloíndios podia conter informação sobre a estrutura do solo, minado por águaspluviais, que provocavam deslizamentos de terra das encostas da Serra doMar. Só descobriram que Itaorna quer dizer *"pedra podre"*, em fevereiro de1985, quando fortes chuvas destruíram o Laboratório de Radioecologia quemede a contaminação do ar na região. O prejuízo, calculado na época em 8bilhões de cruzeiros, talvez pudesse ter sido evitado se não fossemos tãoburros e preconceituosos. O preconceito contra as línguas, as religiões e as ciências produzidaspelos índios alcançou também as artes indígenas, sobretudo a literatura. Osdiferentes povos indígenas produziram uma literatura sofisticada, que foimenosprezada porque as línguas indígenas eram ágrafas, não possuíam escritae essa literatura foi passada de geração em geração através da tradiçãooral. As várias formas de narrativa e de poesia indígena, por isso, não sãoconsideradas como parte da história da literatura nacional, não sãoensinadas nas escolas, não são reconhecidas e valorizadas pela mídia.. No século passado e no início deste século, vários estudiososrecolheram no Pará e aqui no Amazonas, uma literatura oral de primeiríssimaqualidade. Um deles foi o general Couto de Magalhães, que não era militar,era um advogado e político mineiro, que recebeu a patente de general porquequando era presidente da província do Mato Grosso, comandou as tropasbrasileiras na guerra do Paraguai. Como vocês sabem, no Império, o Brasilestava dividido em províncias e não em estados e quem governava asprovíncias tinha o cargo de presidente e não de governador. Pois bem, Coutode Magalhães foi presidente de três províncias: Mato Grosso, São Paulo ePará. Ele não tinha, em princípio, qualquer motivo para simpatizar com osíndios e compartilhava todos os preconceitos dos quais já falamos. Noentanto, quando viajou ao Pará, no barco ouviu um índio contando histórias,durante horas, para uma platéia atenta de tripulantes, que ria e participavaativamente. Curioso, Couto de Magalhães se aproximou e ouviu que falavam umalíngua que ele não entendia: o Nheengatu. Ele decidiu então aprender essalíngua, só para conhecer as histórias. Ficou apaixonado com a beleza daliteratura indígena, ele diz que é literatura de primeiríssima qualidade,equiparando-a à literatura grega. Recolheu e registrou muitas histórias,como aquelas que têm por personagem o jabuti. Essas narrativas tinham naverdade uma função educativa, de transmitir valores, formas decomportamento. Couto de Magalhães comentou, em uma observação muitointeligente, que um povo cuja literatura tem um personagem como o jabuti,lento e feio, que consegue vencer outros animais belos e fortes como a onçae o jacaré, só usando a astúcia, é um povo que tem civilização para dar evender. "Umpovo que ensina que a inteligência vence a força, é um povo altamentecivilizadoé um povo altamente sofisticado", ele reconhece. Outros estudiosos ficaram também apaixonados pela literatura indígenano final do século passado e no início desse século, como um nobre italiano,o conde Stradelli. Ele veio para o Amazonas, morou aqui quase 40 anos,aprendeu o Nheengatu - a língua geral falada no rio Negro e na época tambémno alto Solimões. Ficou apaixonado com os mitos, os contos, as poesiasindígenas, e recolheu e levou para publicar na Itália. Acabou morrendoleproso aqui em Manaus e foi enterrado no cemitério de Paricatuba. Outroque andou encantado com a literatura indígena foi o Brandão Amorim, filho docomerciante português Alexandre Amorim, que hoje é nome de rua no bairro deAparecida. Todo esse pessoal recolheu muitas narrativas, que infelizmentenão fazem parte ainda do nosso currículo escolar, o que faz com que osestudantes e a população brasileira ignorem esse patrimônio cultural dahumanidade, que é a literatura indígena.*Terceiro equívoco: culturas congeladas * O terceiro equívoco é o congelamento das culturas indígenas. Enfiaramna cabeça da maioria dos brasileiros uma imagem de como deve ser o índio: nuou de tanga, no meio da floresta, de arco e flecha, tal como foi descritopor Pero Vaz de Caminha. E essa imagem foi congelada. Qualquer mudança nelaprovoca estranhamento. Quando o índio não se enquadra nessa imagem, vem logoa reação: "Ah! Não é mais índio". Na cabeça dessas pessoas, o "índioautêntico" é o índio de papel da carta do Caminha, não aquele índio de carnee osso que convive conosco, que está hoje no meio de nós. O governador Gilberto Mestrinho, por exemplo, para impedir ademarcação das terras indígenas, veio com esse papo mole, que reforçapreconceitos. Ele disse: "esses aí não são mais índios, já estão de calça ecamisa, já estão usando óculos e relógios, já estão falando português, nãosão mais índios". Ele criou uma nova categoria, desconhecida pela etnologia:os ex-índios. Aí, se essa lógica funciona, eu fico me perguntando se oMestrinho não é, então, um ex-brasileiro, porque o cotidiano dele estámarcado por elementos tomados emprestados de outras culturas. Aliás, istoacontece com todos nós. Você, por exemplo, está vestido com jeans, aliásmuita gente aqui está com um tipo de roupa que não foi inventada por nenhumbrasileiro. Estes móveis aqui também não são objetos "autênticos" da nossacultura. A mesa e a cadeira têm uma história que vem lá da Mesopotâmia, ondeforam projetadas no século VII a.C., passaram pelo Mediterrâneo sofrendovárias modificações antes de chegarem a Portugal e depois ao Brasil. A formade construir em concreto também não é técnica brasileira. O computador não ébrasileiro, o telefone não é brasileiro , enfim toda essa parafernália que agente usa - os milhares de itens culturais presentes no nosso cotidiano -não tem suas raízes em solo brasileiro. Então, o brasileiro pode usar coisas produzidos por outros povos -computador, telefone, televisão, relógio, rádio, aparelho de som, luzelétrica, água encanada - e nem por isso deixa de ser brasileiro. Mas oíndio, se desejar fazer o mesmo, deixa de ser índio? Quer dizer, nós nãoconcedemos às culturas indígenas aquilo que queremos para a nossa: o direitode entrar em contato com outras culturas e de, como conseqüência dessecontato, mudar. O escritor mexicano Octávio Paz escreveu com muita propriedade que"as civilizações não são fortalezas, mas encruzilhadas". Ninguém viveisolado absolutamente, fechado entre muros de uma fortaleza. Historicamente,cada povo mantém contato com outros povos. Às vezes essas formas de contatosão conflituosas, violentas. Às vezes, são cooperativas, se estabelece odiálogo, a troca. Em qualquer caso, os povos se influenciam mutuamente. Oconceito que nos permite pensar e entender esse processo é o conceito de *interculturalidade.* E o que é a interculturalidade? É justamente o resultado da relaçãoentre culturas, da troca que se dá entre elas. Tudo aquilo que o homemproduz em qualquer cultura e em qualquer parte do mundo - no campo da arte,da técnica, da ciência - tudo o que ele produz de belo merece ser usufruídopor outro homem de qualquer outra parte do planeta. Os índios, aliás, estãoabertos para esse diálogo. O problema é que historicamente eles nãoescolheram o que queriam tomaremprestado, isto lhes foi imposto a ferro e fogo. Então, historicamente essarelação não tem sido simétrica, não tem tido mão dupla, tanto na Amazônia,como no resto do Brasil e da América. Ou seja, os índios não puderam terliberdade de escolha, de olhar o leque de opções e dizer: "nós queremosisso, nós queremos trocar aquilo". As relações foram assimétricas em termosde poder. Não houve diálogo. Houve imposição do colonizador. Aquilo peloqual nós brigamos hoje é por uma interculturalidade, entendida como umdiálogo respeitoso entre culturas, de tal forma que cada uma delas tenha aliberdade de dizer: "Olha! Isso nós queremos, isso nós não queremos", ouentão, "nós não queremos nada disso". É essa liberdade de transitar emoutras culturas que não concedemos aos índios, quando congelamos suasculturas. Em novembro do ano passado, a COIAB - Coordenação das OrganizaçõesIndígenas da Amazônia Brasileira - me convidou para assessorar umaassembléia de líderes indígenas aqui em Manaus. Eu vim e encontrei um grandeamigo meu, o Idjarruri, um índio Karajá com quem eu havia convivido em 1992.Na hora de me despedir, eu disse: "Olha só, a gente passou tantos anos semter notícias, não podemos mais perder o contato. Como é que eu faço para teencontrar?" Eu pensava que ele fosse me dar um número de um posto telefônicopara deixar recado. Mas ele disse: "Anota aí:*Idjarruri@karajá.com.br*<Idjarruri@karajá.com.br>ou coisa semelhante,mas era o endereço na internet. Depois me deu seucelular. Nesse caso, o computador e o celular são usados como armasdefensivas para preservar elementos de sua cultura. Vocês devem ter lido, em novembro do ano passado, uma excelentematéria sobre a escola Waimiri Atroari, que saiu no jornal A Crítica,escrita pela Ana Célia Ossame, com belíssimas fotos do Euzivaldo Queiroz,que mostram os índios, semi-nus, usando um computador em uma escola - umaconstrução coberta de palha - combinando o novo com o tradicional. A AnaCélia contou nessa reportagem, uma coisa que me emocionou muito. Quando elapassou lá, no dia 30 de novembro, os índios estavam em sala de aula, numaatividade escolar. Os índios Waimiri Atroari, há 40 anos atrás, não falavamportuguês e nem sabiam o que era escola. Eles tinham outras instituiçõesencarregadas de transmitir saber, ciências, artes e literatura, que era atradição oral. No contato com a sociedade brasileira, eles decidiram criaruma escola, para aprender português como segunda língua, da mesma forma quea gente aprende o inglês, para poder sobreviver e entrar em contato com omundo. O brasileiro aprende o inglês, não para substituir o português, maspara desempenhar outras funções. Assim também os índios aprendem oportuguês, não com o objetivo de eliminar suas próprias línguas, quecontinuam com a função de comunicação interna, mas para se comunicar parafora. Bom! Para aprender o português e ser alfabetizado, as instituiçõestradicionais indígenas não dão conta do recado. É preciso pedir emprestadouma instituição da sociedade brasileira: a escola que, aliás, não foiinventada por nenhum brasileiro, foi também importada. Os Waimiri Atroariconstruíram, então, uma escola, um enorme malocão de forma circular, semportas, onde você pode entrar e sair na hora em que quiser. Não sei se vocêsviram, se alguém viu, as fotos daquela construção Waimiri Atroari. Pareceuma catedral, toda de palha, com um poste central subindo, subindo bem alto..As fotos mostram ainda as carteiras dispostas uma atrás da outra, como nasnossas escolas, o que é discutível do ponto de vista pedagógico. Os alunos,semi-nus, estão sentados com cadernos, livros, lápis e caneta paraescrever. Eles estavam lá sem camisa, sem uniforme, uma escola sem farda,sem horário fixo, sem currículo rígido. Olha só que coisa maravilhosa!Quando os jornalistas passaram por lá, o professor estava no quadro, dandoaula de alfabetização em Waimiri Atroari. De repente, alguém gritou: "Olha apaca!" Aí o professor deu um assobio e - vamos lá moçada - aí ele saiu comos alunos, e naquele momento a aula deixou de ser de alfabetização, parase transformar em aula de caça tradicional. Diante desse fato, fiquei pensando o seguinte: como professor - eu souprofessor normalista formado pelo Instituto de Educação do Amazonas,professor de primeiro e segundo grau e professor universitário - quantas equantas vezes, eu fiquei com vontade de sair atrás da caça. Lembro um dia emque senti isso muito forte. Eu estava dando uma aula na UERJ, na mesma horaem que estava havendo uma palestra do João Saldanha. Não sei se vocêsconheceram o Saldanha, um comentarista esportivo, que foi técnico da SeleçãoBrasileira e militante do Partido Comunista. Tinha um papo muito agradável esedutor, conhecia muito a cultura popular e era um excelente contador dehistórias. Eu estava dando aula no 10º andar e ele com sua palestra no 9ºandar. Eu estava querendo ouvi-lo, mas tinha que dar a minha aula e nãotive coragem de chegar para os alunos e dizer: "vamos todo mundo para lá,que está muito mais interessante". O Saldanha era a caça que estava passandolá fora. Mas acho que agora aprendi com os índios. Quando os índios tomam uma instituição emprestada como a escola, elesdão outrosignificado, criam outras formas de usar essa instituição, fazendo com querepensemos a prática escolar na nossa sociedade. Este exemplo da escolaWaimiri-Atroari é bem ilustrativo de como a interculturalidade não é apenasuma mera transferência de conteúdo de uma cultura para outra. Ainterculturalidade é uma construção conjunta de novos significados, ondenovas realidades são construídas sem que isso implique abandono das própriastradições. Concluindo esse tópico, podemos dizer que a cultura brasileira muda, achinesa muda, a americana muda, todas as culturas mudam. As culturasindígenas também mudam, e isto por si só não é ruim. Não é ruim que mudem, oruim é quando a mudança é imposta, sem deixar margem para a escolha*Quarto equívoco: os índios fazem parte do passado*. O quarto equívoco consiste em achar que os índios fazem parte apenasdo passado do Brasil. Num texto de 1997 sobre a biodiversidade vista doponto de vista de um índio, Jorge Terena escreveu que uma das conseqüênciasmais graves do colonialismo foi justamente taxar de "primitivas" as culturasindígenas, considerando-as como obstáculo à modernidade e ao progresso. Vouler para vocês que ele escreveu: *"(Eles) vêem a tradição viva como primitiva, porque não segue oparadigma ocidental. Assim, os costumes e as tradições, mesmo sendoadequados para a sobrevivência, deixam de ser considerados como estratégiade futuro, porque são ou estão no passado. Tudo aquilo que não é do âmbitodo Ocidente é considerado do passado, desenvolvendo uma noção equivocada emrelação aos povos tradicionais, sobre o seu espaço na história". * Os índios, é verdade, estão encravados no nosso passado, mas integramo Brasil moderno, de hoje, e não é possível a gente imaginar o Brasil nofuturo sem a riqueza das culturas indígenas. Se isto por acaso ocorresse, opaís ficaria pobre, muito pobre, e feio, muito feio, igual ao bairroAmarelo. Para ilustrar este tópico, pode ser interessante contar para vocêso que aconteceu com o bairro Amarelo, um grande conjunto habitacionallocalizado em Hellesdorf, no norte da ex-Berlim Oriental, na Alemanha. Em 1985, construíram um conjunto habitacional tipo BNH, em Berlim.Eram blocos pré-moldados de 5 a 6 andares, uns caixotões de concretopré-fabricados, com uma fachada pintada de um amarelo duvidoso de diarréia.Era muito pior que o conjunto Eldorado, ali no Parque Dez. Cerca de dez milpessoas de baixa classe média moravam lá, em 3.200 apartamentos. Osmoradores reclamavam muito, depois do trabalho não tinham vontade de voltarpara casa, porque achavam o bairro feio, o lugar horrível, pesado e triste.Quando caiu o muro de Berlim, em 1989, a cidade passou por um processo dereforma urbana sem precedentes. O Instituto de Urbanismo de Berlim colocou50 milhões de dólares para dar uma melhorada, uma "guaribada" no bairro.Chegaram com os moradores e disseram: "a gente quer mudar o bairro de vocês,mas a gente quer saber com que cara vocês querem que ele fique". Osmoradores se reuniram, discutiram e concluíram: "nós queremos que nossobairro tenha a cara da América Latina que é bonita e alegre". Foi feita alicitação e se apresentaram mais de 50 escritórios de arquitetura da AméricaLatina. Ganhou um escritório brasileiro de São Paulo - Brasil Arquitetura.Aí os arquitetos foram lá, conversar com o pessoal do bairro. O bairro tinhavárias entradas diferentes. A primeira proposta deles foi construir jardinse colocar algumas esculturas de artistas plásticos brasileiros nessasentradas de acesso. Depois discutiram sobre a reforma nas fachadas dosedifícios, com a qual os moradores implicavam. Os moradores pediram: "nósqueremos que sejam colocados azulejos com arte indígena, com desenhos dosíndios". Bom, se os arquitetos andassem 5 km, iam chegar no MuseuEtnográfico de Berlim, onde existem milhares de obras de arte indígena, comdesenhos em todo tipo de suporte: em cerâmica, tecido, palha e até em papel.No entanto, o que se queria não era arte indígena *do passado*, mas arteindígena de hoje, *contemporânea*. Os arquitetos decidiram sair atrás dedesenhos novos, atuais, com uma série de dúvidas: será possívelencontrá-los, depois de 500 anos de contato, do saqueio colonial, dotrabalho compulsório, dos massacres, das missões, das invasões de terras,das estradas, dos colonos, dos garimpos, das frentes extrativistas, dashidrelétricas, dos grandes projetos? Os índios não teriam perdido suasfontes de inspiração? Em muitas sociedades indígenas, as tigelas e potes decerâmicas foram substituídos por peças de alumínio e plástica, asindumentárias e adornos tradicionais foram trocados pelo vestuárioocidental: em que medida este fato afetou a expressão artística tradicional? Hoje, no Brasil, existem mais de 200 povos indígenas, quase todoseles produzindo artes gráficas. Os arquitetos Francisco Fanucci e MarceloFerraz, responsáveis pelo projeto de remodelação das fachadas, acabaramoptando pelos Kadiweu, cujos desenhos consistem em figuras geométricasabstratas. Como a pintura Kadiweu é tarefa exclusiva da mulher, os doisarquitetos realizaram concurso entre as índias da aldeia Bodoquena, no MatoGrosso do Sul. Mandaram para a aldeia um lote de papel cortado no tamanhoestabelecido, as instruções sobre as cores e canetas hidrográficas. Noventae três índias, de 15 a 92 anos de idade, realizaram três propostas cada uma.O resultado agradou a todo mundo. Os arquitetos selecionaram, num primeiromomento, 300 estampas coloridas, exclusivas, criadas pelas índias, e depoisescolheram seis delas como vencedoras do concurso. No dia 19 de junho de1998, essas estampas, transformadas em azulejos, foram inauguradas nasfachadas dos blocos do Bairro Amarelo, alegrando-o, humanizando-o,tornando-o mais belo, habitável e civilizado, facilitando a convivência e acomunicação entre os seus moradores. A aldeia Bodoquena ganhou, por essetrabalho civilizatório, 20 mil marcos alemães e mais passagens e estadias dedez dias para as seis índias, artistas Kadiweu, que estiveram presentes nafesta de inauguração. A reforma urbana de um conjunto habitacional de Berlim com desenhosKadiweu mostra os equívocos da concepção evolucionista ultrapassada queconsidera as experiências das sociedades indígenas no campo da arte e daciência como primitivas, pertencentes à infância da humanidade, sem lugar notempo presente. Ele serve também para exemplificar como um bem cultural podeadquirir novos usos e novas significações, se nele é investido um novotrabalho cultural. Serve ainda para formularmos algumas perguntasinquietantes: Por que um povo, como o alemão, possuidor de um expressivopatrimônio artístico próprio, busca melhorar sua qualidade de vida, lançandomão de elementos atuais das culturas indígenas? Será que moradores dequalquer bairro de Manaus tomariam decisão semelhante? Por que não? Os portugueses, primeiro, e depois os brasileiros, durante cincoséculos acreditaram que os índios eram atrasados e que portugueses ebrasileiros representavam a civilização. Portanto, a nossa obrigação eracivilizá-los, ou seja, fazer com que eles deixassem de ser índios epassassem a ser como nós. Ocorreu um verdadeiro massacre durante esses 500anos, com o extermínio de muitas etnias. Os índios ficaram relegados, comopertencentes a um passado incômodo e distante do Brasil. Esta situação, do ponto de vista legal, foi modificada., com aconstituição brasileira de 1988, graças às organizações dos índios, a umtrabalho importante da própriaIgreja, ao apoio dos aliados dos índios, que conseguiram impor oreconhecimento por parte do estado brasileiro da existência hoje dos índiose desses dois pontos básicos: 1º - que os índios são diferentes; 2º- que não se trata apenas de tolerar essa diferença; mas deestimulá-la. Essa diferença, vista no passado como atentatória à segurançanacional, hoje está sendo considerada como umelemento altamente enriquecedor da cultura brasileira. Em 1980, entrevistei um índio Shuar para o jornal Porantim. O Shuar éum povo que viveuma parte no Equador e outra parte no Peru. No Equador os Salesianosrealizaram um bom trabalho, apoiando a criação de uma Rádio Shuar. É umrádio bilíngüe, ela transmite uma parte da programação em espanhol, e aoutra em língua shuar: literatura, música, poesia, tudo em língua Shuar.Pois bem, entrevistei o líder Ampam Krakas e perguntei dele em portunhol: *"Cual es tu Pátria?" * Ele me respondeu: "*Mi pátria grande es el Ecuador y mi pátria chica es el Shuar."* Nesta resposta esta a síntese do que os índios representam em termosde presente e de futuro: a relação com o estado brasileiro e com aidentidade nacional, com a pátria grande, não deve anular a pátria pequena,pequena em termos numéricos, mas não em termo de qualidade.*O quinto equívoco: o brasileiro não é índio* Por último, o quintoequívoco é o brasileiro não considerar a existência do índio na formação desua identidade. Há 500 anos atrás não existia no planeta terra um povo com onome de povo brasileiro. Esse povo é novo, foi formado nos últimos cincoséculos com a contribuição, entre outras, de três grandes matrizes: - As matrizes européias, assim no plural, representadas basicamente pelos portugueses, mas também pelos espanhóis, italianos, alemães, poloneses, etc; - As matrizes africanas, também no plural, da qual participaram diferentes povos como os sudaneses, yorubás, nagôs, gegês, ewes, haussá, bantos e tantos outros; - Finalmente, as matrizes indígenas, formadas por povos de variadas famílias lingüísticas como o tupi, o karib, o aruak, o jê, o tukano e muitos outros. Depois, as migrações de outros povos como os japoneses, ossírio-libaneses, os turcos, vieram enriquecer ainda mais a nossa cultura. Noentanto, como os europeus dominaram política e militarmente os demais povos,a tendência do brasileiro, hoje, é se identificar apenas com o vencedor - amatriz européia - ignorando as culturas africanas e indígenas. Isso reduz eempobrece o Brasil, porque você acaba apresentando aquilo que é apenas *umaparte*, como se fosse o *todo*. O índio, no entanto, permanece vivodentro de cada um de nós, mesmo que a gente não saiba disso.* *Não é sódentro do amazonense, cujas raízes indígenas são muito recentes. Olha a VeraFischer, loura, de olhos azuis. Não seria exagerado afirmar que a VeraFischer é tão negona quanto uma passista da escola de samba ou tão índiaquando uma caboca vendedora de tacacá, e isso porque a negritude e aindianidade não é marcada pela cor da pele, pelo tipo de cabelo, pela formado nariz. Não é uma questão genética, é uma questão cultural. Na hora em queaquele descendente de um alemão lá de Santa Catarina, louro e do olho azul,começar a rir - como é que ele vai rir? de quê ele vai rir? Na hora desentir medo - ele vai sentir medo de quê? De onde saem seus fantasmas? Comquem ele sonha? Quando tiver que fazer suas opções culinárias, de música,de dança, de poesia, de onde é quem saem os critérios de seleção? É aí queafloram as heranças culturais, incluindo as indígenas e as negras. Vouconcluir lembrando um fato real que me foi contado pelo escritor portuguêsAntônio Alçada. Ele estava fazendo turismo na Grécia com um grupo de amigosportugueses, lá numa daquelas ilhas gregas. Estava em pé, parado,conversando com esses amigos, quando passou um grupo de turistas japoneses,carregados de máquinas fotográficas. Até aí nada demais, porque tem turistajaponês em qualquer biboca do mundo. Acontece que enquanto os turistasjaponeses prosseguiram seu caminho, um deles parou diante do grupo deportugueses, ficou olhando e ouvindo os portugueses por alguns minutos,depois se aproximou e perguntou num perfeito português com sotaque paulista:"Desculpa. Eu sou brasileiro. Vocês são portugueses?" O Antônio Alçadarespondeu: "Somos". O "japonesinho" de São Paulo, então, deu um logo eestridente assobio para o grupo dele que havia se distanciado. Todo mundovirou a cabeça para trás e ele gritou: "Ei, pessoal! Venham aqui que euencontrei um grupo dos nossos antepassados". O escritor português contou quesentiu uma coisa estranha e pensou: "Eu? Antepassado desses japoneses? Como?Se os pais deles deviam estar numa ilha, lá no Japão, na geração anterior, enão têm nada que ver com o meu passado!". Acontece que os imigrantes quechegam aqui no Brasil acabam assumindo a cultura e a história do país,assumindo desta forma um passado que não é dele individualmente, nem de suafamília, mas é coletivo, da nação, do povo ao qual ele agora pertence. Noentanto, se eles não vêem os índios e os negros como seus antepassados éporque acabam assumindo a identidade veiculada pela ideologia dominante, quereivindica apenas a matriz européia, que nos deu a língua que falamos e quemarcou inapelavelmente nossa cultura, e da qual temos motivos para nosorgulhar. No entanto, queremos também conhecer e ter orgulho da contribuiçãodos povos indígenas e das diferentes culturas africanas que marcaram a nossaforma de ser. Esses não são os únicos equívocos que cometemos em relação aos índios e anós mesmos, mas talvez sejam aqueles que mereçam urgentemente serdiscutidos. Então, vamos ao debate. Muito obrigado.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Gastritre X Frescurite

Descobri que aquela dorzinha que incomoda tanto não é frescura é gastrite mesmo e que o melhor remédio é procurar o Dr Tio Sam lá nos USA.
Lá vc. é bem tratado, pode trabalhar a vontade sem riscos para a saúde.
Isso tudo foi uma conclusão lógica que eu acabei de conceber e que deve ter algum fundamento.
Sabe, se eu fosse médico, eu curaria a gastrite dela. Mas como eu sou meio índio... Quem sabe eu não curaria!? Mas para isso eu teria que usar a infraestrutura do T.Sam e ir junto.
O problema é ser bem tratado. E tratar bem. Independe do lugar. Eu cuidaria dela no Rio ou em Bagdah

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A "baranga" do dia seguinte: Explicação

LONDRES - Cientistas podem ter descoberto porque as pessoas se esquecem de coisas que fazem – constrangedoras, muitas vezes – quando estão bêbadas. Um grupo de cientistas da Universidade de Sussex, na Inglaterra, informa que o álcool facilita a criação de memórias para eventos emocionais, na maior parte positivos, vividos antes da intoxicação. Por outro lado, prejudica a criação de memórias para eventos emocionais, em diversos casos negativos, ocorridos depois do consumo abusivo de bebidas.

A psicóloga Dora Duka, que coordenou o estudo, acredita que tal fenômeno pode levar as pessoas a acreditarem mais nos efeitos positivos do álcool, em vez de perceberem suas desvantagens, contribuindo para o desenvolvimento do alcoolismo.

– Os efeitos do álcool no humor são conhecidos por contribuir para o seu uso e abuso. Já sua atuação na memória pode ser um fator no desenvolvimento do alcoolismo – explica a psicóloga.

Os pesquisadores compararam a habilidade de voluntários de se lembrar de uma série de imagens depois do consumo de bebidas. Descobriram que o álcool aumentava a memória para imagens vistas antes de beber e deteriorava a fixação de imagens vistas depois.

– Não está claro como o álcool muda a maneira como as memórias são formadas, mas pode estar alterando os neurotransmissores que as constroem– conclui Duka.

JBOnline

sábado, 6 de setembro de 2008

12 de setembro - The day after

No próximo dia 12 de setembro, na já consagrada casa de festa da D. Lu, a D. Dora