terça-feira, 20 de março de 2012

Poemas de Vinicius de Moraes

Não sei porque surgiu subtamente essa paixão toda por ele. Mas.. vai lá:

RETRATO DE MARIA LÚCIA - (VINICIUS DE MORAES)

Tu vens de longe; a pedra

Suavizou seu tempo

Para entalhar-te o rosto

Ensimesmado e lento

Teu rosto como um templo

Voltado para o oriente

Remoto como o nunca

Eterno como o sempre

E que subtamente

Se aclara e movimenta

Como se a chuva e o vento

Cedessem seu momento

À pura claridade

Do Sol do amor intenso!





O POETA - (Vinícius e Moraes)

Olhos que recolhem

Só tristeza e adeus

Para que outros olhem

Com amor os seus.

Mãos que só despejam

Silêncios e dúvidas

Para que outras sejam

Das suas, viúvas.

Lábios que desdenham

Coisas imortais

Para que outros tenham

Seu beijo demais.

Palavras que dizem

Sempre um juramento

Para que precisem

Dele, eternamente.



O Mosquito - (Vinícius de Moraes)

Parece mentira

De tão esquesito:

Mas sobre o papel

O feio mosquito

Fez sombra de lira!



O MAIS-QUE-PERFEITO - (Vinicius de Moraes)

Ah, quem me dera ir-me

Contigo agora

Para um horizonte firme

(Comum, embora...)

Ah, quem me dera ir-me!

Ah, quem me dera amar-te

Sem mais ciúmes

De alguém em algum lugar

Que não presumes...

Ah, quem me dera amar-te!

Ah, quem me dera ver-te

Sempre a meu lado

Sem precisar dizer-te

Jamais: cuidado...

Ah, quem me dera ver-te!

Ah, quem me dera ter-te

Como um lugar

Plantado num chão verde

Para eu morar-te

Morar-te até morrer-te...



O ESPECTRO DA ROSA - (VINICIUS DE MORAES)

Juntem-se vermelho

Rosa, azul e verde

E quebrem o espelho

Roxo para ver-te

Amada anadiômena

Saindo do banho

Qual rosa morena

Mais chá que laranja.

E salte o amarelo

Cinzento de ciúme

E envolta em seu chambre

Te leve castanha

Ao branco negrume

Do meu leito em chamas.



NATAL - (Vinícius de Moraes)

A grande ocorrência

Que nos conta o sino

É que, na indigência

Nasceu um menino.

Mil e novecentos

E cinqüenta e três

Anos são paremptos

Dessa meninez.

Muito tempo faz...

Mas ninguém olvida

Que é um dia de paz...

Porque fez-se a vida!

Natal de 1953



DIALÉTICA - ( Vinícius de Moraes)

É claro que a vida é boa

E a alegria, a única indizível emoção

É claro que te acho linda

E em ti bendigo o amor das coisas simples

É claro que te amo

E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...



A ESTRELINHA POLAR - (Vinícius de Moraes)

De repente o mar fosforeceu, o navio ficou silente

O firmamento lactesceu todo em poluções vibrantes de

astros

E a Estrelinha Polar fez um pipi de prata no atlântico

penico.



OS POLITÉCNICOS - ( Vinicius de Moraes)

FUI a São Paulo, a convite do Grêmio dos Politécnicos, bater um papo com os rapazes em sua Faculdade. Recusei-me a fazer uma palestra, pois sou homem de língua emperrada; mas os motivos para a minha ida como me foram apresentados pelos futuros engenheiros paulistas, pareceu-me bastante válidos, além de modestos. Têm eles que a carreira escolhida oferece o perigo de canalizar o pensamento para problemas puramente tecnológicos, em prejuízo de uma humanização mais vasta, tal como a que pode ser adquirida em contato com o homem em geral e as artes em particular.

Há muito não me sentava diante de tanto moços, com um microfone na mão, para lhes responder o que desse e viesse. _ "Quem sou eu _ perguntei-me, não sem uma certa amargura _ quem sou eu, que não sei sequer consertar uma tomada elétrica, para arrogar-me o direito de vir responder às perguntas destes jovens que amanhã estarão construindo obras concretas e positivas para auxiliar o desenvolvimento deste louco país?" Mas eles, aparentemente pensavam o contrário pois puseram-se a bombardear-me de perguntas que, falar verdade, não dependiam em nada de cálculos, senão de experiência, bom-senso e um grão de poesia. Providenciaram mesmo uma bonita cantorazinha de nome Mariana, que estreava na boate Cave (de onde partiram para fama Almir Ribeiro e Morgana) para cantar coisas minhas e de Antônio Carlos Jobim: o que era feito depois de eu responder se acreditava ou não em Deus, como explicava a existência de mulheres feias e o que pensava de João Gilberto.

A homenagem foi simpática, mas no meio daquilo tudo comecei a ser tomado por uma sensação estranha. Aqueles rapazes todos que estavam ali, cada um com a sua personalidade própria _ João gostando de romance Lolita, Pedro detestando; Luís preferindo mulatas, Carlos louras; Francisco acreditando em Karl Marx, Júlio em Jânio Quadros; Kimura preferindo filme de mocinho, Giovanni gostando mais de cinema francês _ já não os tinha visto eu em outras circunstâncias, em outros tempos? Aquele painel de rostos desabrochando para a vida, aqueles olhos sequiosos ao mesmo tempo de amor e conhecimento, não eram eles o primeiro plano de uma imagem que se ia perder no vórtice de uma perspectiva interminável, como num jogo de espelhos? Atrás de cada uma daquelas faces não havia o fotograma menor de outra face, como ela ávida de saber o porquê das coisas, e atrás dessa outra, e mais outra, e outra ainda? Vi-os, de repente, todos fardados me olhando, atentos às instruçõs de querra que eu lhes dava em voz monótona: "_ Os três grupos decolarão em intervalos de cinco minutos, e deixarão cair sua carga de bombas nos objetivos A, B e C, tal como se vê no mapa. É favor acertarem os relógios..." Mariana cantava, um pouco tímida diante de tantos rapazes, a minha "Serenata do Adeus":

Ai, vontade de ficar mas tendo de ir embora...

Qual daqueles moços seria um dia ministro? Qual seria assassino? Quem, dentre eles, trairia primeiro o anjo de sua própria mocidade? Qual viraria grã-fino? Qual ficaria louco?

Tive vontade de gritar-lhes: "Não acreditem mim! Eu também não sei nada! Só sei que diante de mim existe aberta uma grande porta escura, e além dela é o infinito _ um infinito que não acaba nunca! Só sei que a vida é muito curta demais para viver e muito londa demais para morrer!"

Mas ao olhar mais uma vez seus rostos pensativos diante da canção que lhes falava das dores de amar, meu coração subitamente se acendeu numa grande chama de amor por eles, como se eles fossem todos filhos meus. E eu me armei de todas as armas da minha esperança no destino do homem para defender minha progênie, e bebi do copo que eles me haviam oferecido, e porque estávamos todos um pouco emocionados, rimos juntos quando a canção terminou. E eu fiquei certo de que nenhum deles seria nunca um louco, um traidor ou um assassino porque eu os amava tanto, e o meu amor haveria de protegê-los contra os males de viver.