quinta-feira, 1 de maio de 2008

O QUE LISA CONTA

CONTO 6 - Uma história quase verdadeira

.Quando a família de Edvaldo se mudou para aquele lugar, ele tinha oito anos de idade. Gerardo, seu irmão, já ia fazer sete. A casa ficava em um conjunto residencial que tinha acabado de ser construído. O bairro era deserto e poeirento, isolado do resto do mundo. Não havia televisão, nem telefone, nem mesmo luz elétrica. A casa era iluminada por uma espécie de motor de luz que funcionava das 7 às 9 da noite. Depois, só lampiões, velas ou lamparinas à querosene. Com esse tipo de iluminação não se podia ler muito, então as crianças se divertiam com jogos de luz e sombra. Com as mãos, faziam formas de animais que se projetavam na parede. Às vezes escutava-se música no rádio à pilha. As vezes, quando tinha mais gente, principalmente meninas, brincavam de roda, “Corre-corre macuchila”, “Caí no poço”, esconde-esconde e outras brincadeiras coletivas.

Como as noites eram frescas, apesar do clima tropical, os pais costumavam acender fogueiras no quintal que serviam tanto para se aquecer quanto para clarear o ambiente. Às vezes contava-se histórias de assombração (Brrrrr...) ao redor da fogueira.. A cada história as crianças iam chegando mais perto dos pais... e fechavam os olhos e se assutavam com as sombras das árvores e o com o piar da coruja. Ninguém tinha coragem de se levantar dali nem pra fazer xixi. Mesmo morrendo de medo, pediam pra contar outra e mais outra e mais outra... Conclusão: na hora de dormir, iam todos para cama da mamãe!

Durante o dia, o único barulho que se ouvia era o do ônibus de madeira, pintado com cores extravagantes, que circulava no bairro a cada duas horas. A casa ficava quase no ponto final da linha, que sem dúvida, era também o ponto final do mundo. Havia poucas casas habitadas no conjunto. Mas como eram famílias numerosas tinha criança de tudo que era idade. As outras casas permaneciam vazias e sem chaves, à disposição da meninada que brincava de esconde-esconde e outras brincadeiras, em noite de lua cheia.

Além do conjunto em que moravam via-se apenas alguns casebres, espalhados, quilômetros de distância entre um e outro. Para quem estava acostumado a viver no centro da cidade, o lugar parecia mágico! Um silêncio absoluto reinava naquela espécie de vale sem montanhas, interrompido, ora pelo canto de toda espécie de pássaros, ora por concertos, em duas vozes, de sapos e cigarras, à boca da noite. À noite, o pisca-pisca dos vaga-lumes iluminava os caminhos secretos que os levavam a lugar nenhum. Fazia quase frio de madrugada. Os meninos pareciam felizes, vestidos em seus pijamas de mangas compridas, especialmente confeccionados para serem usados na casa nova.

Antes eles moravam num casarão antigo que alugavam no centro histórico da cidade. Lá havia pelo menos uma dezena de cômodos: quartos, banheiros, copa e cozinha, sala de jantar e um imenso corredor onde se passeava de bicicleta. No final do corredor, depois da copa, ficava o terraço (onde o pai tocava bandolim, todos os dias, ao cair da tarde). No fundo havia um enorme quintal, cheio de árvores frutíferas, entre elas uma mangueira centenária. Ah, tinha também um porão mal-assombrado! (Mas isso é uma história à parte...). A casa nova, ao contrário, era pequena, com apenas três quartos, uma sala, cozinha, banheiro e um pequeno hall de entrada. No entanto, havia bastante terreno ao redor da casa e todo o resto do bairro. A rua os pertencia, como uma extensão da casa. E do outro lado da estrada de poeira era a floresta, mata virgem e misteriosa: o paraíso proibido ao alcance das mãos.

Julho era um mês de estiagem. Quase não chovia e os dias eram ensolarados. Foi nesse período que, pela primeira vez, se ultrapassou a fronteira do paraíso. Adultos e crianças, jovens e menos jovens, pais, filhos, cachorros e papagaios, atravessaram a pista rumo à descoberta da Floresta. Um atrás do outro, munidos de facões, machados e roupas de banho, lançaram-se na grande aventura, em busca de frutos e plantas, de fontes de água e de emoções. Foi assim que encontraram um riacho de águas cristalinas que transformaram pouco a pouco numa verdadeira piscina natural.

A partir de então, durante meses e meses, ou talvez anos, todos os domingos e feriados, a vizinhança toda se reunia no “banhozinho” onde se passava o dia inteiro brincando dentro d’água, comendo peixe assado na brasa, jogando bola, subindo em árvores, saltando dos galhos, colhendo frutos das árvores: buriti, açaí, ingá, maracujá do mato, jatobá, sorva, etc. E aproveitavam da água e do sol até desaparecer o último raio de luz sobre a mata cerrada que iluminava o caminho de volta.

O odor das folhas perfumadas e o cheiro de terra molhada permanecem ativos na memória dos calvos “meninos. O calor úmido e o sol através das copas das árvores gigantes ainda queimam suas peles ressecadas. O barulhar do igarapé, o estalar das seringueiras ecoam em seus ouvidos e seus olhos parecem ainda ver os meninos, ensopados, correndo para apanhar as “seringas” espalhadas no chão de areia quente.

Nenhum comentário: